29 setembro, 2012

Ciganos na Noruega | Capítulo 4



Mexilhões. Sim, mexilhões!
Mexilhões ao pequeno almoço acabadinhos de "pescar" pelo H. que garantiu estarem frescos e consumíveis. Eu e a E. torcemos o nariz (e com alguma razão a julgar pela careta do T. quando experimentou o petisco) e ficámos-nos pelo café do costume. A última coisa que pretendia era uma diarreia no mato...

O H., que nos acompanhou desde a saída de Trondheim, fitava hipnotizado os cenários do outro lado da janela do carro. "Ah, olha, desculpa lá, mas esta parte do caminho vai ser um bocado chata que não há nada para ver". Nós avisámos. E ele olhava para nós sem compreender. "A paisagem é espantosa", dizia ele.
Trocávamos olhares. Hmm. Pois. Havias de ter visto o que vimos nesta última semana...!
O descanso em Trondheim marcou o fim da primeira etapa. Acampados no jardim da G., acordávamos tarde, tomávamos o brunch ao sol, a casa por nossa conta. Descalços e de pijama, saíamos dos sacos de cama para nos deitarmos a aquecer na relva em frente à casa. Tivemos direito a uma visita guiada à cidade e cozinhámos em agradecimento pela hospitalidade uma espécie de risotto. A G. levou-nos ainda num longo passeio para nos mostrar o seu lago secreto onde me vi obrigada a mergulhar nas águas escuras e geladas (não tanto como as que ainda viria a descobrir nos dias seguintes) da floresta ao fim da tarde.
Não conhecia a G. E eles pelos vistos também não. Apercebi-me disso quando perguntou-nos a todos o que estudávamos. No fundo, todos a conheciam, mas na realidade... não. Como vim a saber mais tarde, apenas se tinham encontrado em Estocolmo por duas vezes. Ela sabia falar 7 línguas, já tinha vivido em Itália e em Buenos Aires, era descendente de mãe holandesa e pai norueguês, tinha apenas uns 20 anos e tocava piano e cantava numa banda. Falou-me do Stockholm Lisboa Project que desconhecia e surpreendeu-me com algumas palavras em português que apanhara nalgum fado. Era uma pessoa eternamente sorridente e afável e ficou-nos muito agradecida pela ajuda que lhe demos na última noite com umas traduções para as nossas respectivas línguas de um conjunto de menus de um restaurante italiano de uma amiga. A sessão arrastou-se durante horas e pelo canto do olho vi os olhares desesperados que o R. lançava em todas as direcções enquanto puxava pelo cabelo. "Worst drinking game ever" foi como catalogou o serão.





Back on the road.
De volta aos nossos hábitos de ciganagem.
O momento alto desta parte do trajecto foi o avistamento de um glaciar. Ou melhor, foi a emoção da portuguesa ao finalmente ver um glaciar, o que foi motivo para uma sessão de fotografias da portuguesa a fotografar o seu primeiro glaciar.
Após uma noite acampados junto a um lago onde a comunidade mosquiteira proliferava abundantemente, descobrimos na noite seguinte uma praia de sonho. A luz dramática que iluminava tudo a partir de um céu carregadíssimo rasgado por dois, três e quatro arco-íris simultâneos que nos fascinou, durou o tempo suficiente para montarmos o acampamento e corrermos praia acima e praia abaixo. Brevemente correríamos para dentro da tenda afugentados pelo lençol de água que caía do céu. Areia, vinho entornado, roupas molhadas, e o vapor do jantar ao lume - tudo convergia naquele espaço diminuto de plástico laranja.
No dia seguinte chegávamos a Bodø. A entrada em cena da M. e do Th. trouxe toda uma nova dinâmica aos acontecimentos que se desenrolaram a partir daqui. Gente fresca! Novas ideias! Novos risos!
Há 3 dias que não tomávamos banho (a não ser os banhos de chuva) e eu e o R. tínhamos sacrificado nessa manhã os nossos colchões de princesa pelo bem estar do espírito colectivo dentro da carrinha. Ficaram na praia de sonho, não havia espaço.
Antes mesmo de aterrarem as novas visitas, ainda foi necessário um pequeno detour para se proceder a uma despesa pouco bem-vinda. Um novo pneu. Para substituir o que tínhamos furado ao passar a ferro uma rocha na berma da estrada no dia anterior. Continuo sem querer acreditar que tivemos mesmo de comprar um pneu norueguês, a custo norueguês.
Já com a M. e o Th. dentro da carrinha, pusemos-nos em fila para o ferry para Lofoten. Como a viagem era bastante concorrida, esperámos umas boas horas, aproveitando para sacudir e secar a tenda enquanto fazíamos um lanche junto à fila de caravanas e turistas.








Chegados à península da "Pata de Lince" (Lofoten), o primeiro sinal que se recebe da actividade daquela zona geográfica é o intenso cheiro a peixe. A península tresanda a peixe seco. Qualquer lado onde se vá, cheira, nem mais nem menos, a bacalhau. Tive alguma dificuldade em fazer perceber aos meus amigos porque é que o nosso prato nacional é um peixe da Noruega, mas acho que acabaram por reter a informação. A palavra aprenderam decerto. "Bácáláo, bácáláo"...
Os estendais de bacalhau e de cabeças de peixe encontravam-se em todo o lado. Percorrer as galerias era quase macabro, estava tudo morto, pendurado e acabado. Vazio e perdido na paisagem de rocha e montanhas.
Foi numa encosta perto de um desses cemitérios de peixe que passámos a primeira noite em Lofoten com as gaivotas zangadas a grasnar a toda a hora. Não cheguei a perceber porque não atacavam os estendais, calculo que o peixe já estivesse demasiado salgado para elas.
Os novos amigos do R., um casal de namorados noruegueses que fazia uma viagem semelhante à nossa mas de mota, fizeram-nos companhia nessa noite e na seguinte. Conversámos e bebemos até de madrugada, animados pelo aumento significativo do nosso grupo. A M. e o Th. foram logo instruídos no funcionamento do acampamento e, na manhã seguinte, tomávamos banho no lago arrepiante que ficava ali em frente, no vale formado por duas montanhas ainda com restos de neve.
O que mais me surpreendeu em Lofoten foram as praias paradisíacas de águas turquesas e areias finas e brancas que eu não fazia ideia de existirem tão, tão, tão a norte. Num único enquadramento (e porque não pintá-lo debaixo do sol da meia noite?) podia-se ver as montanhas rochosas com neve a suavizarem-se junto aos campos verdes com ovelhas a pastar que por sua vez se esfumavam na praia e no mar.
Foi na noite seguinte que comemorámos o nosso primeiro e credível sol da meia noite. Montámos o acampamento numa praia, mais uma vez, e cozinhámos raclette que o Th. havia trazido e que ao segundo dia na arca frigorífica já libertava um certo senhor odor. Esta noite meia surreal passada na praia com o sol a baixar e logo a levantar-se antes sequer de bater na linha de horizonte terminou muito tarde, por volta das 5 ou 6 da manhã, quando as nuvens que então apareceram determinaram uma escuridão aprazível para o sono. Bebemos em demasia, sinto que a noite foi mesmo uma comemoração, e pelo meio de conversas, gargalhadas e intimidades houve uma ida de grupo a banhos nus e um concurso para averiguar quem detinha a melhor arma branca: se os suíços, com o seu canivete, se o norueguês, com a sua faca sami. Para isso, tentaram durante meia hora serrar com os respectivos instrumentos de corte um tronco gigante abandonado na praia. Facilmente se adivinha quem detinha maior vantagem. Apesar de os suíços terem feito um trabalho deveras notável.





+/- 00:00h


09.06 - 13.06
980 km
Trondheim-Mo i Rana-Hellåga-Ågskaret-Storvika-Bodø-Lofoten
Fotos: acabados os filmes, virei-me para a minha velha e fiel Sony DSC H1.

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