22 agosto, 2012
18 agosto, 2012
Ciganos na Noruega | Capítulo 3
O dia de anos da E. foi um bom dia para (quase)
todos. Começou inundado de sol.
Decidimos subir às montanhas e procurar o melhor spot possível para prepararmos o brunch matinal. Os rapazes tinham comprado alguns frescos e ingredientes extra na véspera para surpreenderem a E. Na subida, parámos num dos pontos altos do itinerário que agora seguíamos atentamente pelo livro – a ponte projectada sobre o fiorde em Stegastein. Por sorte, àquela hora, os turistas ainda não tinham inundado o sítio e demorámo-nos a tirar fotografias. Seguimos, sempre a subir, a paisagem ficou branca de neve. Era impressionante a altura que atingia nas bermas da estrada, algumas das “casas de banho arquitectónicas” estavam mesmo inacessíveis, enterradas debaixo da neve. Parámos no miradouro em Vedahaugane para prepararmos um brunch branco de neve.
Decidimos subir às montanhas e procurar o melhor spot possível para prepararmos o brunch matinal. Os rapazes tinham comprado alguns frescos e ingredientes extra na véspera para surpreenderem a E. Na subida, parámos num dos pontos altos do itinerário que agora seguíamos atentamente pelo livro – a ponte projectada sobre o fiorde em Stegastein. Por sorte, àquela hora, os turistas ainda não tinham inundado o sítio e demorámo-nos a tirar fotografias. Seguimos, sempre a subir, a paisagem ficou branca de neve. Era impressionante a altura que atingia nas bermas da estrada, algumas das “casas de banho arquitectónicas” estavam mesmo inacessíveis, enterradas debaixo da neve. Parámos no miradouro em Vedahaugane para prepararmos um brunch branco de neve.
Entretanto, o M. tinha dado conta de que se
esquecera da máquina fotográfica na ponte de Stegastein. Tirámos as caixas de
comida e o equipamento que precisávamos para fora do carro enquanto ele voltava
para trás, à procura da máquina (que foi dada definitivamente como
desaparecida). As pessoas nos poucos carros que passaram por nós naquela manhã
solarenga e amena ficavam incrédulos a olhar para quatro jovens relaxados,
perdidos algures nas montanhas, a cozinharem bacon e ovos num fogão portátil, com
imensa tralha a toda a volta e sem nenhum carro por perto.
Uma hora depois o M. regressou com a
carrinha e voltámos à estrada. Descemos a grande velocidade pelo asfalto
sinuoso, nunca adivinhando o que estaria para lá da curva apertada com a
visibilidade cortada pelas muralhas de neve. Novo ferry, novo fiorde, águas
transparentes, muito convidativas. Ainda testámos com o pézinho a temperatura
da dita, mas rapidamente mudámos de ideias. De novo a trepar as montanhas,
desta vez chegámos a Nedre Oscarshaug, Sognefjellet, onde um elemento de vidro
giratório montado numa estrutura metálica permitia observar e saber a altura
das montanhas circundantes, as mais altas da Noruega. Era uma peça bastante
elegante.
A meio da tarde, estacionámos no último
ponto marcado no percurso daquela região, o parque de merendas de Liasanden, e
discutimos novamente o rumo a tomar enquanto o nosso fiel primus amarelo aquecia água para o chá das cinco. Punha-se a
hipótese de fazer um pequeno (grande) desvio para Este para visitar o Reindeer
Pavilion dos Snøhetta. Era uma obra muito pequena e estávamos na dúvida se
valeria o esforço, nunca voltaríamos a estar tão perto. Penso que, no fundo,
nós os quatro, os interessados em arquitectura, tínhamos a certeza de que
queríamos lá ir. Apenas o M. divergia – tinha de acabar e enviar um trabalho
para a faculdade dele ainda nesse dia e optou por ficar em Lom, no parque de
campismo, de onde partiríamos na manhã seguinte de acordo com o itinerário
estabelecido no livro das rotas turísticas.
Não sabíamos muito bem onde ficava a obra.
Apenas tínhamos retirado do Archdaily uma morada e colocado no Google Maps para
ficarmos com uma ideia. Mas estávamos conscientes de como isto poderia correr
mal.
Conduzimos durante talvez uma hora e meia. Ninguém conhecia o pavilhão, nem no centro de turismo de Lom, nem num acampamento de treino militar a escassos 2 ou 3km do sítio que procurávamos. Não se viam árvores e os montes ainda continham restos de neve no meio duma paisagem áspera e vazia, dominada pelos castanhos e verdes secos de uma vegetação muito rasteirinha. Demos com uma zona com cartazes informativos e uns poucos carros estacionados junto ao início de um percurso pedestre. Sem sabermos se o caminho nos levaria até ao sítio pretendido, empreendemos marcha. Após 1,5km avistámos, com entusiasmo crescente, a construção a delinear-se no horizonte à luz branca dum fim de tarde nublado.
Conduzimos durante talvez uma hora e meia. Ninguém conhecia o pavilhão, nem no centro de turismo de Lom, nem num acampamento de treino militar a escassos 2 ou 3km do sítio que procurávamos. Não se viam árvores e os montes ainda continham restos de neve no meio duma paisagem áspera e vazia, dominada pelos castanhos e verdes secos de uma vegetação muito rasteirinha. Demos com uma zona com cartazes informativos e uns poucos carros estacionados junto ao início de um percurso pedestre. Sem sabermos se o caminho nos levaria até ao sítio pretendido, empreendemos marcha. Após 1,5km avistámos, com entusiasmo crescente, a construção a delinear-se no horizonte à luz branca dum fim de tarde nublado.
Uma caixa de aço da cor da
paisagem. A entrada, uma parede ondeante de troncos de madeira dispostos
horizontalmente, esculpidos. No interior, a distorção da parede de madeira cria
uma pequena bancada que remata ao fundo num movimento que envolve o fogão preto
suspenso. A face oposta do paralelepípedo é inteiramente envidraçada,
espelhando a paisagem. Pequenos prumos metálicos escuros seguram os vidros ao
nível do chão, reflector, permitindo a apreciação total e sem interferências do
exterior, evaporando-se a fronteira entre um e outro ambiente.
Experimentámos a porta, duvidando da nossa sorte, e ela abriu-se, convidando-nos a entrar. Sentimos o ar morno do interior ao mesmo tempo que o nossos ouvidos eram inundados de várias vozes alegres. Muitos olhos azuis suspenderam as conversas e fitaram-nos. Um grupo de seniores (todos certamente reformados) estavam sentados nas bancadas em torno do fogão e conversavam animadamente. Equipados desportivamente, com botas de montanhismo e apetrechados com o thermos do café e um par de binóculos cada, eram os membros do Reindeer Club que ali estavam no último encontro da estação. Sejam bem vindos! Curiosos e hospitaleiros, dirigiram-se-nos num inglês hesitante enquanto uma senhora sorridente nos distribuía bombons de chocolate. Eram todos habitantes duma localidade próxima e quiseram saber de onde vínhamos. Estavam muito orgulhosos do seu novo observatório, “acho que até ganhou um prémio”, disse alguém.
Experimentámos a porta, duvidando da nossa sorte, e ela abriu-se, convidando-nos a entrar. Sentimos o ar morno do interior ao mesmo tempo que o nossos ouvidos eram inundados de várias vozes alegres. Muitos olhos azuis suspenderam as conversas e fitaram-nos. Um grupo de seniores (todos certamente reformados) estavam sentados nas bancadas em torno do fogão e conversavam animadamente. Equipados desportivamente, com botas de montanhismo e apetrechados com o thermos do café e um par de binóculos cada, eram os membros do Reindeer Club que ali estavam no último encontro da estação. Sejam bem vindos! Curiosos e hospitaleiros, dirigiram-se-nos num inglês hesitante enquanto uma senhora sorridente nos distribuía bombons de chocolate. Eram todos habitantes duma localidade próxima e quiseram saber de onde vínhamos. Estavam muito orgulhosos do seu novo observatório, “acho que até ganhou um prémio”, disse alguém.
Sentámos-nos e ali ficámos, calados, durante
bastante tempo, as vozes dos nossos amigos noruegueses a acompanharem os nossos
pensamentos. Em frente, erguia-se a montanha Snøhetta. Toda a força deste
pequeno objecto arquitectónico dirigia-se à paisagem, o resto contribuía para o
conforto de quem assistia ao cenário exterior. Quase que podia vê-las, às
renas, disfarçadas na minha imaginação naquela paisagem malhada e despida. Que
sorte estar aqui. Apesar de ter registado mentalmente pequenos aspectos da
construção (sobretudo as grandes peças de madeira que nunca tinha visto ser trabalhada daquela forma), demorei-me especialmente a usufruir do espaço para o
efeito para o qual tinha sido projectado – enquanto observatório. Quando
finalmente nos decidimos arredar dali para fora (com mais uns chocolates nos
bolsos) o único comentário que se fez referia-se ao facto de termos deixado o
M. para trás... senão, poderíamos ter passado aqui a noite, num lugar incrível.
Ainda dentro dos horários convencionais
(que em poucos dias seriam completamente subvertidos), acordámos de manhã no
dia seguinte, arrumámos e saímos, esquecendo (?) de pagar a noite no parque de
campismo. Espreitámos a bonita igreja de madeira local e juntámo-nos aos outros
turistas que começavam a rastejar molengamente pelas estradas. Parámos mais à
frente num engarrafamento de roulottes causado pelo avistamento de uma manada de renas e à hora de almoço já nos encontrávamos num dos fiordes mais
concorridos com os seus ferries de cruzeiro gigantes (pequeninos nestes montes)
a conferir escala ao vale. Evitámos atropelar os turistas ricos com os seus
chapéus de palha e óculos de sol que tentavam trepar até ao miradouro e
desesperámos atrás dos autocarros que roncavam em primeira enquanto escalavam
as estradas apertadas.
Ainda não nos tínhamos visto livres das
enxurradas de turistas que os autocarros despejavam quando chegámos ao novo
café (já a funcionar, mas ainda em fase de acabamentos) de Gudbrandsjuvet. Mais
uma vez, uma série de pontes e percursos sobre uma cascata levava ao local que
ficava escondido no meio da vegetação tranquila e com vista privilegiada sobre
a corrente de água. A grande diversidade de materiais (sempre num registo
natural e neutro) e alguns motivos divertidos integrados na construção
conferiam algum dinamismo e interesse às diferentes situações que se
atravessavam no interior (de dimensões bastante reduzidas) e no exterior.
O momento alto do dia pelo qual esperávamos
chegou pouco depois - o conjunto de Geiranger-Trollstigen.
Tudo brilhava, tudo reflectia luz. O manto branco, ainda espesso, que cobria as montanhas diluía-se nos canais e piscinas que ajudavam a reflectir a luz solarenga ao longo dos percursos, acompanhados pela cantilena de água a fugir. No fim do caminho, tal como um lagarto ou uma iguana com a cabeça e as patas esticadas em diferentes direcções, um miradouro agarrava-se, rasteiro, à encosta da montanha, atrevendo a empoleirar a cabeça no vazio. Lá em baixo, a estrada estreitinha arrepiantemente sinuosa parecia convergir com os fios de água prateados que desapareciam no vale verdejante. [que poder metafórico!]
Foi, sem dúvida, um dos meus cenários preferidos.
Foi, sem dúvida, um dos meus cenários preferidos.
Tirámos à sorte quem seria o afortunado a levar a cabo o rally pela referida estrada abaixo, calhando a tarefa ao francês que propiciou um momento de verdadeira adrenalina de alta velocidade e que, pelo menos da minha parte, provocou gritinhos iiiiiiihhhhh e alguns pensamentos catolicistas como ai-jesus-que-se-vem-alguém-a-subir-morremos-aqui.
Nesse fim de dia, aportámos em Ålesund para
umas cervejas ao sol num pequeno cais e encontrámos, a escassos quilómetros da
cidade, um campo junto ao mar onde passar a noite. Acendeu-se uma fogueira e
comemos salmão roubado (obra da E.) com knäckebröd trazido da Suécia enquanto esperávamos pelo
escuro que substitui o sol e que, nessa noite, não veio mesmo.
Domingo, dia 8 de Junho, tínhamo-nos
comprometido estar em Trondheim para acolher um novo membro que chegava nessa
tarde de Estocolmo. Para além disso, tínhamos uma anfitriã que nos esperava
para nos dar guarida ao fim do dia. Foi, portanto, com alguma pressa que
conduzimos pela estrada do Atlântico com mar e céu azul, parando para a
fotografia obrigatória na ponte dramática em curva inclinada que se vê nos
anúncios da volvo.
Cansados da intensidade dos últimos dias, chegámos ao fim da tarde à cidade e inquirimos com alguma dificuldade sobre a morada que tínhamos. Quando finalmente nos aproximávamos do local, ainda apanhámos o H. que avistámos a descer a rua com uma inconfundível mochila de campismo às costas. Estacionámos a nossa carrinha de ciganos em frente à casa da G. que nos veio cumprimentar ao jardim, enquanto os vizinhos deste subúrbio tranquilo nos espreitavam desconfiados por cima das sebes verdes. Sempre bem disposta, levou-nos para o interior onde tinha à nossa espera uma deliciosa e quente sopa de tomate onde mergulhámos fatias de ovo cozido e pão.
Nessa noite (que, como já referi, deixou definitivamente de ser
escura), ainda tivemos coragem de ir conhecer um pouco o ambiente urbano nocturno
de Trondheim. Apesar de já ser bastante tarde (e Domingo) ainda dançámos e
bebemos um pouco no Familien, a
conselho da G.
Cansados da intensidade dos últimos dias, chegámos ao fim da tarde à cidade e inquirimos com alguma dificuldade sobre a morada que tínhamos. Quando finalmente nos aproximávamos do local, ainda apanhámos o H. que avistámos a descer a rua com uma inconfundível mochila de campismo às costas. Estacionámos a nossa carrinha de ciganos em frente à casa da G. que nos veio cumprimentar ao jardim, enquanto os vizinhos deste subúrbio tranquilo nos espreitavam desconfiados por cima das sebes verdes. Sempre bem disposta, levou-nos para o interior onde tinha à nossa espera uma deliciosa e quente sopa de tomate onde mergulhámos fatias de ovo cozido e pão.
06.06 - 08.06
1060 km
Aurlandsfjellet-Sognefjellet-Hjerkinn-Geiranger-Trollstigen-Ålesund-Myrbærholmen-Kristiansund-Trondheim
Fotos: R. Keys | Canon EOS 550D
12 agosto, 2012
Ciganos na Noruega | Capítulo 2
[R. Keys] Canon EOS 550D
Dirigimos-nos a Pulpit Rock, perto de Stavanger.
Apesar do R. se ter andado a queixar ultimamente de umas dores num dos pés (o
que era o pretexto ideal para se escapar a algumas das tarefas mais chatas exigidas
pelo campismo) ia na frente quando enveredámos pelo meio de mato e calhaus
juntamente com muitos outros turistas de aspecto atlético para subir um
percurso de quase 2 horas (3,8km) que nos levaria ao cimo do fiorde (604m).
O nome do local advém de uma pedra enorme que se atinge no fim do percurso e
que se encontra perigosamente empoleirada no cimo duma escarpa, debruçada sobre
uma paisagem avassaladora, tornada ainda mais espectacular pelo céu carregado
em vários tons de cinzentos escuros. As grandes e dramáticas arestas graníticas
afiadas de todo o cenário conferiam um geometria e austeridade ao conjunto que
se contrapunha à pequena escala humana que formigava na paisagem.
Como sempre,
a Teresa, a menos atlética do grupo, foi ficando para trás, ofegante e
transpirada. Por duas vezes desviou-se involuntariamente das setas vermelhas e
dos sinais que indicavam o caminho certo, qual cabra montanhesa a trepar
escarpas e a saltar de pedra em pedra durante duas horas e a um ritmo, para
ela, bastante acelerado. Todo este conceito a que chamavam “hiking” (para o
qual até tinha as botas merrell adequadas, sem o saber) com todos os noruegueses
e estrangeiros super equipados e super desportivos, era novidade.
Pelo caminho,
à medida que me distanciava dos outros, encontrando-os mais à frente a
mergulhar num lago gelado sob umas nuvens ameaçadoras, distraí-me e fui
pausando para tirar algumas fotografias.
Umas 4 horas depois reunimo-nos novamente
junto da carrinha, transpirados e sedentos. A questão que se punha agora era:
pagamos ou não pagamos as 100 coroas de estacionamento? Não nos apetecia muito,
já tínhamos uma multa de estacionamento por termos largado a carrinha num lugar
perfeito, vago, mesmo em frente da Ópera em Oslo... Foi assim que começou o
nosso historial de ciganos na Noruega, o que se pudesse poupar, poupava-se!
O T. sentou-se ao volante e preparou-se para acelerar atrás do carro que pagava
o estacionamento na máquina antes da cancela. No último instante, hesitou e a
cancela desceu. Deu-lhe um pequeno ataque de fúria francesa, virou o volante
todo à direita e, antes que nos apercebêssemos do que fazia, subiu o passeio e
fez passar a carrinha entre as barreiras e um calhau enorme enquanto nós nos
encolhíamos todos nos assentos, de boca aberta, com todos os outros turistas a olharem para
nós. Desaparecemos a acelerar.
Canon AE1 | FujiColor 800 ASA
Talvez uma hora depois, encontrávamo-nos a
conduzir por montes verdes e túneis escuros, estradas serpenteantes de duas
faixas. Após alguns dias de condução, chegámos à conclusão de que a Noruega não
conhecia o conceito “auto-estrada”. Mas pagavam-se portagens na mesma. Havia
estradas que até terminavam abruptamente na pista de entrada de um ferry para
serem depois retomadas na outra margem.
O tempo continuava húmido e cinzento. Viam-se fios de água a cair em cascata pelas encostas dos fiordes anunciando o descongelamento dos últimos restos de neve. Foi numa das curvas da estrada que nos deparámos inesperadamente com o primeiro elemento que identificámos como fazendo parte dos “Nasjonale turistveger” - Svandalsfossen. Uma cascata enorme e barulhenta que pulverizava tudo em redor descia do nosso lado esquerdo e atravessava-se por baixo da estrada, indo de encontro à agua. Um conjunto de escadas e pontes em betão, aço cortén e pedra acompanhavam o seu percurso, permitindo chegar muito perto. Descemos às pedras e trepámos pelo meio das árvores, descobrindo os ângulos e pontos de vista retorcidos que nos permitiam observar a cascata natural.
O tempo continuava húmido e cinzento. Viam-se fios de água a cair em cascata pelas encostas dos fiordes anunciando o descongelamento dos últimos restos de neve. Foi numa das curvas da estrada que nos deparámos inesperadamente com o primeiro elemento que identificámos como fazendo parte dos “Nasjonale turistveger” - Svandalsfossen. Uma cascata enorme e barulhenta que pulverizava tudo em redor descia do nosso lado esquerdo e atravessava-se por baixo da estrada, indo de encontro à agua. Um conjunto de escadas e pontes em betão, aço cortén e pedra acompanhavam o seu percurso, permitindo chegar muito perto. Descemos às pedras e trepámos pelo meio das árvores, descobrindo os ângulos e pontos de vista retorcidos que nos permitiam observar a cascata natural.
Canon AE1 | FujiColor 800 ASA
Uma das características da paisagem
norueguesa é a transitoriedade do seu clima, à medida que se avança pelo
território. Houve alturas em que rapidamente, em menos de uma hora talvez,
deixávamos para trás a água límpida de um fiorde com os seus campos verdes, céu
azul e 20ºC ao sol para subirmos ao nevoeiro e autênticas muralhas de neve que
ladeavam as estradas no topo das montanhas. O M. vestia os calções de banho a
pensar em dar um mergulho cá em baixo e depois saía do carro lá em cima e
ficava enterrado em neve, as perninhas expostas.
A chuva acompanhou-nos enquanto
abandonávamos a cascata e continuámos a conduzir até bastante tarde. Enquanto
houvesse luz, não era urgente parar para montar acampamento. O local que
acabámos por escolher nessa noite junto a um lago meio pantanoso foi dos menos
bons, mas o prato quente de arroz com courgette, cenouras e passas estufadas
que eu e a E. cozinhámos (as refeições caíam sempre à responsabilidade das
meninas) compensou. Na manhã seguinte acordámos cedo, deviam ser 8h, e com
muitas vozes à nossa volta. Quando um objecto pesado caiu num dos lados da
tenda, o T. abriu a porta furioso e deparou-se com uma turma de uns 25 miúdos.
Estavam numa excursão de bicicleta e preparavam-se para meter umas canoas na
água. Foi pretexto para nos pormos rapidamente a andar dali para fora.
Gradualmente fomos ficando melhores e mais rápidos a levantar e arrumar o
acampamento e para o fim da viagem já se faziam competições entre os rapazes
para registar recordes para a operação de desmontagem da tenda grande.
[R. Keys] Canon EOS 550D
Voltámos aos fiordes de águas azuis e verdes, o dia alternava entre a chuva e o sol. Conduzimos muito,
atravessámos montanhas onde ainda caía neve, passámos por algumas “casas de
banho de interesse arquitectónico”, apanhámos alguns ferries (eu e a E. escondíamo-nos
no meio das malas para evitar pagar mais umas tarifas desnecessárias) e
chegámos a Bergen, já a tarde ia adiantada. Na cidade, conseguimos finalmente
comprar a publicação com o resto do roteiro onde surgiam as peças
arquitectónicas que nos interessavam.
Bergen é um destino super turístico. Demos uma volta, um sítio bonitinho, arranjadinho e pequenino, com muitos chineses, mas rapidamente nos cansámos e quisemos voltar à estrada e à natureza. Nem me sentia bem a andar em ambiente urbano, digamos que 5 noites de campismo selvagem já se reflectiam no meu aspecto. Ainda parámos num café porque os rapazes se queixavam que precisavam de wi-fi nos iphones (são perfeitamente dependentes do facebook, apesar de insistirem que precisavam de responder a emails importantes) e o T. pagou o lanche mais caro da sua vida – 16€ por um café e uma fatia de bolo e nem conseguiu apanhar internet!
Bergen é um destino super turístico. Demos uma volta, um sítio bonitinho, arranjadinho e pequenino, com muitos chineses, mas rapidamente nos cansámos e quisemos voltar à estrada e à natureza. Nem me sentia bem a andar em ambiente urbano, digamos que 5 noites de campismo selvagem já se reflectiam no meu aspecto. Ainda parámos num café porque os rapazes se queixavam que precisavam de wi-fi nos iphones (são perfeitamente dependentes do facebook, apesar de insistirem que precisavam de responder a emails importantes) e o T. pagou o lanche mais caro da sua vida – 16€ por um café e uma fatia de bolo e nem conseguiu apanhar internet!
Conduzimos até muito tarde, a paisagem mudou, os túneis tornaram-se mais compridos, as escarpas de rocha altas e rectas substituíram as encostas e os vales verdes – de alguma forma a sua presença parecia mais próxima e a nossa escala bastante reduzida.
Parámos para passar a noite num sossegado parque de campismo, perdido nesta paisagem monumental. A E. fazia anos no dia seguinte e o seu desejo de aniversário era tomar um duche. Jantámos na minúscula cozinha do local perto da meia noite, brindámos, conversámos um pouco e discutimos o dia seguinte.
04.06 - 05.06
640 km
Pulpit Rock [Preikestolen]-Svandalsfossen-Bergen-Aurland
640 km
Pulpit Rock [Preikestolen]-Svandalsfossen-Bergen-Aurland
08 agosto, 2012
Ciganos na Noruega | Capítulo 1
21 dias, 7600km, 24h de sol, 6 duches.
No último dia de Maio partimos. Juntos,
mais uma vez, adiando despedidas e promessas de reencontro para dali a um mês.
Junho, tínhamo-lo na mão.
Com menos de uma semana para prepararmos 21
dias de viagem, os primeiros tempos foram de experimentação e organização. Falta
isto, aquilo não funciona, uma hora para pôr a tenda em pé, tudo a voar para
fora da carrinha, coisas já dadas como desaparecidas... ordem, ordem, ordem!
Confiando nas direcções do Google Maps,
conduzi para fora de Estocolmo uma carrinha com 5 pessoas e respectivas
bagagens acumuladas durante um ano em erasmus. Na primeira oportunidade, e
também à medida que mais pessoas se juntavam ao grupo, fomos sacrificando
material desnecessário. A carrinha passou a ser a nossa casa, não tínhamos
outro refúgio a não ser as tendas e o conforto dos assentos. 21 dias ao ar
livre, alguns passados a dormir debaixo de chuva, outros debaixo da claridade
nocturna do sol do Norte.
O primeiro destino: Oslo. Tínhamos dois
dias para lá chegar, o encontro com o T. estava agendado para Sábado, às duas
da tarde, na Ópera. Parámos então a meio caminho para passar a noite e surge
logo uma discussão que se repetiria praticamente todos os dias: onde acampamos?
‘Já é tarde’ ou ‘hoje quero tomar duche’ eram desculpas para seguir para um
parque de campismo, mas desde cedo que as começámos a ignorar porque todos os
dias eram cada vez mais tarde e os duches, miragens em terceiro ou quarto
plano.
Mas a discussão continuava: aqui o terreno
não é plano, não é fofo, há vento, não há lenha, está tudo molhado, não se
consegue estacionar, tem mosquitos, está demasiado exposto, ... enfim, não é
bonito. Queremos um bom sítio para passar a noite, estamos na Noruega! Um país
conhecido pelos seus cenários naturais incríveis. A maior parte das vezes,
depois de voltas e desvios, encontrávamos o sítio que procurávamos, é aqui!
[R. Keys] Canon 550D
Por sorte, logo na primeira noite, enquanto
conduzia por trilhos florestais na demanda pelo spot perfeito, tivemos o nosso
primeiro contacto com a fauna selvagem nórdica. Encontrávamo-nos ainda em solo
sueco, na zona de Hammarö, perto de Karlstad. Cuidado! Vai ali um alce aos
pulos! Pára, pára! Olha outro! Olha uma raposa! Leva um bicho na boca...
E ali ao fundo andam veados aos saltos! Um moosesafari completo em menos de 10
minutos... Demos a nossa demanda por bem sucedida e resolvemos acampar no
parque de campismo local onde ainda nos debatemos durante uma hora com a tenda
gigante laranja que trazíamos. Na manhã seguinte, depois de armazenarmos um
mega carregamento de mantimentos, deixámos a Suécia de vez e só parámos em
Oslo.
Apesar de não conhecermos a cidade e de
termos gostado do pouco que vimos em dois dias (sendo a Ópera um ponto de
paragem obrigatório não só para apanharmos o T., mas sobretudo por sermos um
grupo de curiosos da arquitectura), estávamos desejosos de nos fazermos à
estrada e deixar a vida urbana para trás. O intuito da viagem era conduzir
muito e tentar chegar o mais a norte possível. Antecipávamos a nossa incursão
nos territórios remotos noruegueses e fazermos um wild camping sério, como deve
ser. Digamos que acampar em Oslo, mesmo que seja num parque junto a um lago (Sognsvann) a
10min de carro do centro, faz figura de acampamento de ciganos ou
imigrantes...
Conhecemos uma amiga da S., a quem demos
boleia até Oslo, que estudava arquitectura na cidade e que nos mostrou a
escola. Para além disso também nos emprestou a casa de banho dela onde demos
início à contabilização dos nossos duches. Mais uma vez, e como temos vindo a
fazer nas nossas viagens, explorámos os cantos à faculdade. Estavam em entregas
finais na AHO (Arkitektur- og designhogskølen i Oslo), pelo que tivemos um
vislumbre dos últimos preparativos para as apresentações. As instalações eram
relativamente recentes e bem equipadas e notava-se uma preocupação e detalhe na
materialidade e espacialidade que caracterizava o edifício, algo bem diferente
da nossa escola em Estocolmo. Talvez inspirados pelo ambiente circundante, ou
influenciados pela cultura arquitectónica norueguesa, também os alunos trabalhavam
em projectos muito claros em que o conceito adquiria uma expressão quase
artística na sua interpretação física. As apresentações misturavam bons
desenhos e maquetas bem executadas, não deixando de recorrer a técnicas e
instrumentos variados e pessoais, conseguindo no entanto a harmonia do conjunto
e sensibilidade na escolha de cores e materiais neutros, mas significativos.
Canon AE1 | Fuji Superia 200 ASA
Após duas noites de campismo junto ao lago
em Oslo (onde lavámos loiça de cócoras à vista de todos os joggers citadinos
que por lá exerciam o físico ao fim do dia) e depois de umas últimas cervejas
nocturnas em ambiente urbano, era altura de empreender marcha. Chovia na manhã
em que desmontámos o acampamento e subimos de carro ao Holmenkollen ski jump
que alguém se lembrara dizer ser da autoria de Zaha Hadid (verifiquei na
Wikipedia há dias, diz ser do gabinete dinamarquês JDS). Tirámos a foto
mandatória e passámos a restante meia hora no pequeno café existente
no vão da enorme estrutura a discutir o rumo a seguir. Para fazer as coisas
como deve ser, deveríamos ir até à costa sul e, dali, ter a experiência inteira
da subida para norte. De volta ao carro, traçámos no mapa o percurso que nos
levaria até Kristiansand, cidade costeira no sul, onde por acaso demos de
imediato com o inesperado Kilden Theatre & Concert Hall dos finlandeses
ALA. Ainda não tínhamos conseguido imprimir nem comprar a publicação que se
revelaria fundamental para o nosso itinerário durante aquelas 3 semanas –
“Nasjonale turistveger” reunia um conjunto de percursos marcantes na paisagem
norueguesa, de norte a sul, pontuados por pequenas intervenções contemporâneas
de interesse arquitectónico-paisagístico como miradouros, percursos pedestres,
pontes, wcs, cafés ou zonas de merendas. Inquirir acerca da “casa de banho
arquitectónica” mais próxima passou a ser ritual de todas as manhãs.
Na aproximação a Kristiansand a paisagem
mudou repentinamente à saída de um túnel e encontrámo-nos a atravessar uma
ponte alta, cheia de sol, com uma língua de água lá em baixo entre dois montes
verdes. Finalmente, os cenários prometidos começavam a surgir timidamente e
imediatamente as máquinas fotográficas saltaram das malas. O ambiente no
interior da carrinha também mudou, a música tocava bem alto, o sol entrava
pelas janelas e as expectativas deixavam-nos animados. A grande velocidade,
como aliás era sempre costume, entrámos na cidade e travámos a fundo em frente
à cobertura ondulante do Kilden.
Canon AE1 | Fuji Superia 200 ASA
Deixámos pouco depois a preguiçosa e
domingueira Kristiansand após uma pausa que deu para desenhar, fotografar,
deambular no interior do Concert Hall, perder uma bola de futebol no canal, comer
uma caixa grande de bolachas e conversar com um senhor norueguês que chegou de
barco e disse ser músico. Estava curioso em saber qual o nosso objectivo tão a
norte e adiantou-nos que se tivéssemos sorte com o tempo, veríamos o “midnight
sun. And maybe have some midnight fun...” Dissemos adeus e seguimos em direcção
a Stavanger. A tarde ia adiantada quando decidimos parar numa pequena vila e
perguntar se haveria algum supermercado na zona, aberto. Dois noruegueses
locais partiram-se a rir na nossa cara. Com um forte sotaque, aconselharam-nos
numa próxima vez a escolher um “destino mais civilizacional.”
Descobrimos o céu azul, aberto, da costa. O
sol já se punha e procurámos um sítio para acampar. Após algumas paragens em
zonas com potencialidades para a prática do campismo e algumas excursões por
campos e calhaus com rebanhos de ovelhas, decidimo-nos por um campo aberto de
erva fofa debaixo da lua cheia. Os rapazes encontraram alguma lenha, apesar de
não ver árvores nenhumas por perto, e eu e a E. abrimos a garrafa de Porto
enquanto preparávamos o jantar. Ao outro dia de manhã, quando eu e o T. pegámos
na loiça para a ir lavar a uma pequena enseada, descobrimos que uma fila de
ovelhas se nos tinha atrelado, atraída pelo barulho dos tachos e talheres que o
T. transportava. Ele andava, elas andavam. Ele parava, elas paravam. Ele olhava
para elas e elas respondiam da mesma maneira.
[R. Keys] Canon 550D
31.05 - 04.06
1080 km
Stockholm-Hammarö-Oslo-Kristiansand-Stavanger
05 agosto, 2012
Recordações da terra do caviar e vodka.
Ora, aviso já que vou reservar direitos de exclusividade sobre este blog durante, pelo menos, o resto do mês...
No final de Abril, última entrada que fiz no Prato do Dia, em Estocolmo, encontrava-me em rescaldo da ida à Rússia. Prometi fotos? Não me lembro. Mas aqui ficam alguns pormenores dessa viagem delirante (culpa do vodka?) enquanto repesco as entradas do mês de Junho.
No final de Abril, última entrada que fiz no Prato do Dia, em Estocolmo, encontrava-me em rescaldo da ida à Rússia. Prometi fotos? Não me lembro. Mas aqui ficam alguns pormenores dessa viagem delirante (culpa do vodka?) enquanto repesco as entradas do mês de Junho.
Санкт-Петербург + Москва
Canon AE1 | Fuji Superia 400 ASA
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