21 dias, 7600km, 24h de sol, 6 duches.
No último dia de Maio partimos. Juntos,
mais uma vez, adiando despedidas e promessas de reencontro para dali a um mês.
Junho, tínhamo-lo na mão.
Com menos de uma semana para prepararmos 21
dias de viagem, os primeiros tempos foram de experimentação e organização. Falta
isto, aquilo não funciona, uma hora para pôr a tenda em pé, tudo a voar para
fora da carrinha, coisas já dadas como desaparecidas... ordem, ordem, ordem!
Confiando nas direcções do Google Maps,
conduzi para fora de Estocolmo uma carrinha com 5 pessoas e respectivas
bagagens acumuladas durante um ano em erasmus. Na primeira oportunidade, e
também à medida que mais pessoas se juntavam ao grupo, fomos sacrificando
material desnecessário. A carrinha passou a ser a nossa casa, não tínhamos
outro refúgio a não ser as tendas e o conforto dos assentos. 21 dias ao ar
livre, alguns passados a dormir debaixo de chuva, outros debaixo da claridade
nocturna do sol do Norte.
O primeiro destino: Oslo. Tínhamos dois
dias para lá chegar, o encontro com o T. estava agendado para Sábado, às duas
da tarde, na Ópera. Parámos então a meio caminho para passar a noite e surge
logo uma discussão que se repetiria praticamente todos os dias: onde acampamos?
‘Já é tarde’ ou ‘hoje quero tomar duche’ eram desculpas para seguir para um
parque de campismo, mas desde cedo que as começámos a ignorar porque todos os
dias eram cada vez mais tarde e os duches, miragens em terceiro ou quarto
plano.
Mas a discussão continuava: aqui o terreno
não é plano, não é fofo, há vento, não há lenha, está tudo molhado, não se
consegue estacionar, tem mosquitos, está demasiado exposto, ... enfim, não é
bonito. Queremos um bom sítio para passar a noite, estamos na Noruega! Um país
conhecido pelos seus cenários naturais incríveis. A maior parte das vezes,
depois de voltas e desvios, encontrávamos o sítio que procurávamos, é aqui!
[R. Keys] Canon 550D
Por sorte, logo na primeira noite, enquanto
conduzia por trilhos florestais na demanda pelo spot perfeito, tivemos o nosso
primeiro contacto com a fauna selvagem nórdica. Encontrávamo-nos ainda em solo
sueco, na zona de Hammarö, perto de Karlstad. Cuidado! Vai ali um alce aos
pulos! Pára, pára! Olha outro! Olha uma raposa! Leva um bicho na boca...
E ali ao fundo andam veados aos saltos! Um moosesafari completo em menos de 10
minutos... Demos a nossa demanda por bem sucedida e resolvemos acampar no
parque de campismo local onde ainda nos debatemos durante uma hora com a tenda
gigante laranja que trazíamos. Na manhã seguinte, depois de armazenarmos um
mega carregamento de mantimentos, deixámos a Suécia de vez e só parámos em
Oslo.
Apesar de não conhecermos a cidade e de
termos gostado do pouco que vimos em dois dias (sendo a Ópera um ponto de
paragem obrigatório não só para apanharmos o T., mas sobretudo por sermos um
grupo de curiosos da arquitectura), estávamos desejosos de nos fazermos à
estrada e deixar a vida urbana para trás. O intuito da viagem era conduzir
muito e tentar chegar o mais a norte possível. Antecipávamos a nossa incursão
nos territórios remotos noruegueses e fazermos um wild camping sério, como deve
ser. Digamos que acampar em Oslo, mesmo que seja num parque junto a um lago (Sognsvann) a
10min de carro do centro, faz figura de acampamento de ciganos ou
imigrantes...
Conhecemos uma amiga da S., a quem demos
boleia até Oslo, que estudava arquitectura na cidade e que nos mostrou a
escola. Para além disso também nos emprestou a casa de banho dela onde demos
início à contabilização dos nossos duches. Mais uma vez, e como temos vindo a
fazer nas nossas viagens, explorámos os cantos à faculdade. Estavam em entregas
finais na AHO (Arkitektur- og designhogskølen i Oslo), pelo que tivemos um
vislumbre dos últimos preparativos para as apresentações. As instalações eram
relativamente recentes e bem equipadas e notava-se uma preocupação e detalhe na
materialidade e espacialidade que caracterizava o edifício, algo bem diferente
da nossa escola em Estocolmo. Talvez inspirados pelo ambiente circundante, ou
influenciados pela cultura arquitectónica norueguesa, também os alunos trabalhavam
em projectos muito claros em que o conceito adquiria uma expressão quase
artística na sua interpretação física. As apresentações misturavam bons
desenhos e maquetas bem executadas, não deixando de recorrer a técnicas e
instrumentos variados e pessoais, conseguindo no entanto a harmonia do conjunto
e sensibilidade na escolha de cores e materiais neutros, mas significativos.
Canon AE1 | Fuji Superia 200 ASA
Após duas noites de campismo junto ao lago
em Oslo (onde lavámos loiça de cócoras à vista de todos os joggers citadinos
que por lá exerciam o físico ao fim do dia) e depois de umas últimas cervejas
nocturnas em ambiente urbano, era altura de empreender marcha. Chovia na manhã
em que desmontámos o acampamento e subimos de carro ao Holmenkollen ski jump
que alguém se lembrara dizer ser da autoria de Zaha Hadid (verifiquei na
Wikipedia há dias, diz ser do gabinete dinamarquês JDS). Tirámos a foto
mandatória e passámos a restante meia hora no pequeno café existente
no vão da enorme estrutura a discutir o rumo a seguir. Para fazer as coisas
como deve ser, deveríamos ir até à costa sul e, dali, ter a experiência inteira
da subida para norte. De volta ao carro, traçámos no mapa o percurso que nos
levaria até Kristiansand, cidade costeira no sul, onde por acaso demos de
imediato com o inesperado Kilden Theatre & Concert Hall dos finlandeses
ALA. Ainda não tínhamos conseguido imprimir nem comprar a publicação que se
revelaria fundamental para o nosso itinerário durante aquelas 3 semanas –
“Nasjonale turistveger” reunia um conjunto de percursos marcantes na paisagem
norueguesa, de norte a sul, pontuados por pequenas intervenções contemporâneas
de interesse arquitectónico-paisagístico como miradouros, percursos pedestres,
pontes, wcs, cafés ou zonas de merendas. Inquirir acerca da “casa de banho
arquitectónica” mais próxima passou a ser ritual de todas as manhãs.
Na aproximação a Kristiansand a paisagem
mudou repentinamente à saída de um túnel e encontrámo-nos a atravessar uma
ponte alta, cheia de sol, com uma língua de água lá em baixo entre dois montes
verdes. Finalmente, os cenários prometidos começavam a surgir timidamente e
imediatamente as máquinas fotográficas saltaram das malas. O ambiente no
interior da carrinha também mudou, a música tocava bem alto, o sol entrava
pelas janelas e as expectativas deixavam-nos animados. A grande velocidade,
como aliás era sempre costume, entrámos na cidade e travámos a fundo em frente
à cobertura ondulante do Kilden.
Canon AE1 | Fuji Superia 200 ASA
Deixámos pouco depois a preguiçosa e
domingueira Kristiansand após uma pausa que deu para desenhar, fotografar,
deambular no interior do Concert Hall, perder uma bola de futebol no canal, comer
uma caixa grande de bolachas e conversar com um senhor norueguês que chegou de
barco e disse ser músico. Estava curioso em saber qual o nosso objectivo tão a
norte e adiantou-nos que se tivéssemos sorte com o tempo, veríamos o “midnight
sun. And maybe have some midnight fun...” Dissemos adeus e seguimos em direcção
a Stavanger. A tarde ia adiantada quando decidimos parar numa pequena vila e
perguntar se haveria algum supermercado na zona, aberto. Dois noruegueses
locais partiram-se a rir na nossa cara. Com um forte sotaque, aconselharam-nos
numa próxima vez a escolher um “destino mais civilizacional.”
Descobrimos o céu azul, aberto, da costa. O
sol já se punha e procurámos um sítio para acampar. Após algumas paragens em
zonas com potencialidades para a prática do campismo e algumas excursões por
campos e calhaus com rebanhos de ovelhas, decidimo-nos por um campo aberto de
erva fofa debaixo da lua cheia. Os rapazes encontraram alguma lenha, apesar de
não ver árvores nenhumas por perto, e eu e a E. abrimos a garrafa de Porto
enquanto preparávamos o jantar. Ao outro dia de manhã, quando eu e o T. pegámos
na loiça para a ir lavar a uma pequena enseada, descobrimos que uma fila de
ovelhas se nos tinha atrelado, atraída pelo barulho dos tachos e talheres que o
T. transportava. Ele andava, elas andavam. Ele parava, elas paravam. Ele olhava
para elas e elas respondiam da mesma maneira.
[R. Keys] Canon 550D
31.05 - 04.06
1080 km
Stockholm-Hammarö-Oslo-Kristiansand-Stavanger
Sem comentários:
Enviar um comentário