12 agosto, 2012

Ciganos na Noruega | Capítulo 2


[R. Keys] Canon EOS 550D

Dirigimos-nos a Pulpit Rock, perto de Stavanger. Apesar do R. se ter andado a queixar ultimamente de umas dores num dos pés (o que era o pretexto ideal para se escapar a algumas das tarefas mais chatas exigidas pelo campismo) ia na frente quando enveredámos pelo meio de mato e calhaus juntamente com muitos outros turistas de aspecto atlético para subir um percurso de quase 2 horas (3,8km) que nos levaria ao cimo do fiorde (604m). O nome do local advém de uma pedra enorme que se atinge no fim do percurso e que se encontra perigosamente empoleirada no cimo duma escarpa, debruçada sobre uma paisagem avassaladora, tornada ainda mais espectacular pelo céu carregado em vários tons de cinzentos escuros. As grandes e dramáticas arestas graníticas afiadas de todo o cenário conferiam um geometria e austeridade ao conjunto que se contrapunha à pequena escala humana que formigava na paisagem.

Como sempre, a Teresa, a menos atlética do grupo, foi ficando para trás, ofegante e transpirada. Por duas vezes desviou-se involuntariamente das setas vermelhas e dos sinais que indicavam o caminho certo, qual cabra montanhesa a trepar escarpas e a saltar de pedra em pedra durante duas horas e a um ritmo, para ela, bastante acelerado. Todo este conceito a que chamavam “hiking” (para o qual até tinha as botas merrell adequadas, sem o saber) com todos os noruegueses e estrangeiros super equipados e super desportivos, era novidade.

Pelo caminho, à medida que me distanciava dos outros, encontrando-os mais à frente a mergulhar num lago gelado sob umas nuvens ameaçadoras, distraí-me e fui pausando para tirar algumas fotografias.
Umas 4 horas depois reunimo-nos novamente junto da carrinha, transpirados e sedentos. A questão que se punha agora era: pagamos ou não pagamos as 100 coroas de estacionamento? Não nos apetecia muito, já tínhamos uma multa de estacionamento por termos largado a carrinha num lugar perfeito, vago, mesmo em frente da Ópera em Oslo... Foi assim que começou o nosso historial de ciganos na Noruega, o que se pudesse poupar, poupava-se!
O T. sentou-se ao volante e preparou-se para acelerar atrás do carro que pagava o estacionamento na máquina antes da cancela. No último instante, hesitou e a cancela desceu. Deu-lhe um pequeno ataque de fúria francesa, virou o volante todo à direita e, antes que nos apercebêssemos do que fazia, subiu o passeio e fez passar a carrinha entre as barreiras e um calhau enorme enquanto nós nos encolhíamos todos nos assentos, de boca aberta, com todos os outros turistas a olharem para nós. Desaparecemos a acelerar.



Canon AE1 | FujiColor 800 ASA

Talvez uma hora depois, encontrávamo-nos a conduzir por montes verdes e túneis escuros, estradas serpenteantes de duas faixas. Após alguns dias de condução, chegámos à conclusão de que a Noruega não conhecia o conceito “auto-estrada”. Mas pagavam-se portagens na mesma. Havia estradas que até terminavam abruptamente na pista de entrada de um ferry para serem depois retomadas na outra margem.
O tempo continuava húmido e cinzento. Viam-se fios de água a cair em cascata pelas encostas dos fiordes anunciando o descongelamento dos últimos restos de neve. Foi numa das curvas da estrada que nos deparámos inesperadamente com o primeiro elemento que identificámos como fazendo parte dos “Nasjonale turistveger” - Svandalsfossen. Uma cascata enorme e barulhenta que pulverizava tudo em redor descia do nosso lado esquerdo e atravessava-se por baixo da estrada, indo de encontro à agua. Um conjunto de escadas e pontes em betão, aço cortén e pedra acompanhavam o seu percurso, permitindo chegar muito perto. Descemos às pedras e trepámos pelo meio das árvores, descobrindo os ângulos e pontos de vista retorcidos que nos permitiam observar a cascata natural.





Canon AE1 | FujiColor 800 ASA

Uma das características da paisagem norueguesa é a transitoriedade do seu clima, à medida que se avança pelo território. Houve alturas em que rapidamente, em menos de uma hora talvez, deixávamos para trás a água límpida de um fiorde com os seus campos verdes, céu azul e 20ºC ao sol para subirmos ao nevoeiro e autênticas muralhas de neve que ladeavam as estradas no topo das montanhas. O M. vestia os calções de banho a pensar em dar um mergulho cá em baixo e depois saía do carro lá em cima e ficava enterrado em neve, as perninhas expostas.

A chuva acompanhou-nos enquanto abandonávamos a cascata e continuámos a conduzir até bastante tarde. Enquanto houvesse luz, não era urgente parar para montar acampamento. O local que acabámos por escolher nessa noite junto a um lago meio pantanoso foi dos menos bons, mas o prato quente de arroz com courgette, cenouras e passas estufadas que eu e a E. cozinhámos (as refeições caíam sempre à responsabilidade das meninas) compensou. Na manhã seguinte acordámos cedo, deviam ser 8h, e com muitas vozes à nossa volta. Quando um objecto pesado caiu num dos lados da tenda, o T. abriu a porta furioso e deparou-se com uma turma de uns 25 miúdos. Estavam numa excursão de bicicleta e preparavam-se para meter umas canoas na água. Foi pretexto para nos pormos rapidamente a andar dali para fora. Gradualmente fomos ficando melhores e mais rápidos a levantar e arrumar o acampamento e para o fim da viagem já se faziam competições entre os rapazes para registar recordes para a operação de desmontagem da tenda grande.




[R. Keys] Canon EOS 550D

Voltámos aos fiordes de águas azuis e verdes, o dia alternava entre a chuva e o sol. Conduzimos muito, atravessámos montanhas onde ainda caía neve, passámos por algumas “casas de banho de interesse arquitectónico”, apanhámos alguns ferries (eu e a E. escondíamo-nos no meio das malas para evitar pagar mais umas tarifas desnecessárias) e chegámos a Bergen, já a tarde ia adiantada. Na cidade, conseguimos finalmente comprar a publicação com o resto do roteiro onde surgiam as peças arquitectónicas que nos interessavam.
Bergen é um destino super turístico. Demos uma volta, um sítio bonitinho, arranjadinho e pequenino, com muitos chineses, mas rapidamente nos cansámos e quisemos voltar à estrada e à natureza. Nem me sentia bem a andar em ambiente urbano, digamos que 5 noites de campismo selvagem já se reflectiam no meu aspecto. Ainda parámos num café porque os rapazes se queixavam que precisavam de wi-fi nos iphones (são perfeitamente dependentes do facebook, apesar de insistirem que precisavam de responder a emails importantes) e o T. pagou o lanche mais caro da sua vida – 16€ por um café e uma fatia de bolo e nem conseguiu apanhar internet!

Julgo que foi por esta altura que começámos a fazer muitos quilómetros por dia. A maior parte desta viagem limitou-se a ficarmos sentados na carrinha a ver desfilar paisagens lá fora, de vez em quando saltando para fora para mais um ponto de paragem arquitectónico. Era o fim de terça-feira, dia 5 de Junho, e tínhamos de estar em Trondheim na sexta-feira para nos encontrarmos com o H. Ainda havia muito para ver e a intensidade dos dias aumentou.
Conduzimos até muito tarde, a paisagem mudou, os túneis tornaram-se mais compridos, as escarpas de rocha altas e rectas substituíram as encostas e os vales verdes – de alguma forma a sua presença parecia mais próxima e a nossa escala bastante reduzida.
Parámos para passar a noite num sossegado parque de campismo, perdido nesta paisagem monumental. A E. fazia anos no dia seguinte e o seu desejo de aniversário era tomar um duche. Jantámos na minúscula cozinha do local perto da meia noite, brindámos, conversámos um pouco e discutimos o dia seguinte.



04.06 - 05.06
640 km
Pulpit Rock [Preikestolen]-Svandalsfossen-Bergen-Aurland

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